quinta-feira, outubro 05, 2006

Foxy Viagens - Marrocos (III)

... continuação de Marrocos II

Estava-se a iniciar uma viagem de 10 dias, em que 7 desses dias eram percorridos a pé, atravessando o Atlas e culminando a caminhada na ascenção ao segundo ponto mais alto de África.

Chegados a Marraquexe, e já com todos os participantes da aventura encontrados, mais 2 senhoras que se juntavam a nós, formando um grupo de 5 pessoas nesta viagem, mais o guia local que nos ia levar pelas montanhas a fora, Mohamed Tazhgzouet de seu nome e um distinto Berbere. Fomos instalados num hotel com uma piscina interior formidável. Fomos ao banho, sem imaginar-mos que esse seria um dos últimos banhos (decentes) que iamos ter nos próximos dias. No fim desse primeiro dia em Marraquexe, e aproveitando o entardecer tardio fomos dar uma volta pela cidade. Inclusivé, as duas senhoras lembraram-se de ir fazer uma caminhada de 2 horas para "aquecer" os músculos para os dias seguites (bad choice!!!), porque cansaram-se e como não estavam preparadas, sofreram um bocado uns dias mais tarde, e depois porque também não apreciaram os primeiros sabores que emanavam daquela cidade. Desde já uma cidade fantástica.

No dia seguinte lá fomos nós em direcção às montanhas. Em jipes, fomos subindo até ao ponto de partida em Oukaimeden (2600m). Ali estavam à nossa espera os burros que iam levar a maior parte das nossas malas, e o cozinheiro mais o filho, que nos iam preparar as refeições para aqueles dias. Depois de um pequeno repasto (um piquenicão!) no sopé do nosso primeiro cume, de uma Tagine com vários legumes, carnes e queijo a acompanhar, iniciariamos a nossa caminhada. Nesta altura os Chás de Menta começavam a fazer parte das nossas vidas. É um chá bem bom, gostoso, energético, e que se bebe muito bem, mas ao o bebermos umas 50 vezes ao dia, (pois era ao pequeno almoço, a seguir ao pequeno almoço, a meio da manhã, antes do almoço, durante o almoço, a seguir ao almoço, duas ou mais vezes durante a tarde, ao lanche, na chegada ao acampamento, durante a hora de jantar, a seguir ao jantar e ainda antes de dormir), faria que ao fim dos 7 dias já o não pudessemos ver à nossa frente essa bendita bebida.
Então, liderados pelo nosso guia Berbere que só falava francês, transpusemos o primeiro cume o colo Eddi (2928m) , onde aqui neste sitio consegui uma das melhores fotos que já fotografei até hoje e que vai estar presente num quadro algures na minha sala. Ora se acabamos de subir, começariamos a descer agora. Uma descida longa à volta de um vale povoado e muito verdejante aonde avistamos comunidades berberes nos seus afazeres diários.

O povo Berbere, vive nas montanhas e é um povo nómada, mas bem sociáveis. Os Tuáregs, vivem no deserto, também nómadas, mas muito menos sociáveis, preferindo viver em comunidades fechadas. Foi o que me apercebi e que contaram-me.

Por fim chegamos a Ouaneskra (2200m) aonde pernoitamos e apreciamos o crepúsculo e tranquilidade do fim da tarde, no primeiro dia passado nas montanhas. Este dia, tivemos que aprender a montar o nosso acampamento, foi díficil, mas lá conseguimos. Passamos a noite em tendas e sem problema nenhum. O resto das noites iriam ser assim. No dia seguinte, partindo de Ouaneskra seguiriamos para Imskar (1381m) . Neste percurso viajamos pelos contrafortes do Toubkal e passamos por vários povoados dispersos nas montanhas. Paramos para um almoço nas margens de um rio aonde demos uns mergulhos valentes.

Nestes dias tinhamos de aproveitar todas as águas (limpas) que iamos encontrando, para nos banharmos e também nos refrescarmos dos dias intensos que iamos tendo.

Acampamos junto ao rio. Próxima etapa, Ait Assa (1700m). Atravessamos uma das aldeias que encontramos pelo caminho e só sei que subimos muito através de uma encosta bastante íngreme. Apesar destas dificuldades encontramos no topo dessa encosta um verdadeiro local de contemplação da natureza. E depois num olhar avistavamos quase todo o percurso que já tinhamos feito desde o ponto de partida e até aonde já tinhamos caminhado. Quase sem dar por isso já tinhamos atravessado um imenso território de montanhas. Na passagem por uma das aldeias somos convidados a entrar e a tomar, imaginem ... um chá de menta. Eram casas simples com tapetes berberes a forrar o chão de areia e as paredes de pedra a dar frescura à casa. Sentamos todos no chão encostados à parede e no meio dessa sala um tabuleiro com um bule de chá de menta quente. Foi uma visita simples e agradável, típico dos costumes berberes.

Por esta altura os companheiros de viagem estavam todos felizes desta aventura, sendo que o casal Pedro e Teresa aguentavam-se bem, e as duas senhoras já apresentavam algumas queixas dos gémeos. Falta de preparação.

Neste dia passamos os colos Tizi el Bour (1700m) e Tizi n'Tacht (2000m) e picnicamos num vale, junto a mais um rio. Tomamos banhos entre cascatas e correntes fortes (que belas massagens que aquelas águas nos proporcionaram) e pernoitamos por lá. Esta noite foi o nosso primeiro contacto com os mosquitos, e embora tenha o sangue saboroso ;), não me chatearam muito. Eventualmente consegui estabelecer algum compromisso com elas para não me sugarem todo, ... salvo.
Dia 5, de Ait Assa a Imlil (1900m). Por um bonito carreiro pela floresta de zimbro e nogueira, em marcha suave até ao colo Tizi Mzik (2489m), depois descida por Azib Mzikene com paragem para pic nic junto à nascente. Num destes dias e depois de passarmos um dos cumes, mesmo no meio das montanhas, demos de caras com um tipo, isolado, com uma mochila, a vender Coca-Colas ... surreal. Parecia um personagem daquele filme, os Deuses Devem Estar Loucos, autêntico.
A partir daqui chegamos rápido a Imlil, aldeia cosmopolita no vale. Pernoita em albergue. Aqui o albergue era uma casa de dois pisos que servia para os viajantes que por lá passavam poderem pernoitar. Era o nosso caso. Tivemos um feliz contacto com casas de banho com portas e sem elementos da natureza e outros animais a rodearem-nos, o que apreciamos imenso. Serviu esta estadia neste albergue para a Teresa aplicar os seus conhecimentos de massagista a todos os elementos do grupo. Coitadas das "donzelas" que iam connosco, já tavam mesmo a dar as últimas.
De Imlil seguimos e subimos em direcção ao Refúgio Neltner (3106m) que serviria de acomodação antes da grande subida ao Toubkal. Por caminho passamos por um desfiladeiro conhecido como marabout de Sidi Chamharouch, o Rei do Diabo, que basicamente era uma pintura branca num rochedo de uma figura qualquer. Acreditavam que a crença nessa figura serviria para curar males do espírito e outras doenças mentais.

Aqui tive um pequeno problemazito. É normal nestes países, que o negócio se faça à base de grandes negociatas e discussões sobre os preços. Havia lá uns toldos que tinham várias peças à venda, desde pequenas bujigangas até tapetes ou outros objectos de metal característicos de Marrocos. Dei-me por mim a olhar, sem interesse em comprar qualquer coisa, até porque estava em viagem e não pretendia arranjar mais peso para me acompanhar. Até que nem sei como aconteceu o dono de uma das barracas começou a negociar comigo uma coisa qualquer. Passei uns bons 20 minutos com ele a ouvir os valores que ele mandava para o alto e acabei por lhe dar trela. Mesmo sem querer podia ter feito o negócio, e que até tinha ficado bem em conta. Acontece que optei por não comprar nada e o tipo ficou fulo da vida, foi como que o diabo tivesse apoderado dele, e na sua lingua nativa começou ao berros e suponho que me a insultar. O que vale é que eu não percebia nada e ia virando as costas à situação. Às tantas o resto dos vendedores que lá estavam começam também a voltar-se contra mim, e eu receando do que me pudesse acontecer, fugi o mais depressa dali sem me aperceber que começavam a vir atrás de mim. Ainda em passo apressado passei pela figura pintada na rocha e alcancei o meu grupo. Felizmente, eles desapareceram nem sei como. Foi um dos momentos de medo que tive nesta viagem por não partilhar (penso eu) da cultura vigente.

Passando esta situação, chegamos rapidamente ao refúgio Neltner.
Ali pernoitamos e preparamos a subida, a ascensão do Toubkal (4167m), para o dia seguinte. As senhoras dicidiram não ir, porque iria ser dificil a ascensão e estavam muito cansadas. Acabamos por ir eu, o Pedro e o guia. A partida seria às 4h da manhã, para podermos chegar ao nascer do sol lá ao topo e também para não apanharmos com mais gente na subida. Nessa altura não havia neve no cume, o que facilitava a subida, e também estava bom clima. Nós iamos subir mais ou menos mil metros mas sempre a pique sem ajudas nenhumas. Apesar do terreno ser bastante irregular e rochoso, era o ideal para a nossa subida.
Partimos à hora prevista e fomos subindo sempre ao mesmo ritmo, com alguma paragens a meio para nos habituarmos à diferença de altitude e ao ar cada vez mais rarefeito. Em três horas conseguimos chegar lá. Fomos os primeiros nesse dia de 19 de Agosto. Incrível foi a vista que tinhamos lá de cima. De um lado via-se quase o Atlântico, de outro o Sahara e de outro o resto da cadeia montanhosa do Atlas. Lá devia estar uns 0º negativos (lembram-se desta??) mas o sol brilhava como nunca.
Entretanto quando começaram a chegar outros viajantes, foi quando resolvemos descer. Bem aqui, na descida foi uma adrenalina total. Foi a correr e saltar (literalmente) montanha abaixo, e depois com a embalagem a velocidade era maior. O pior era quando chegavamos a um precipício e tinhamos de travar ou aplicar outras formas de pararmos porque senão iamos dar umas grandes quedas montanha abaixo. Foi o extâse nesta viagem, a descida do Toubkal.

Lá em baixo encontramos as companheiras de viagem, e contamos as nossas peripécias. Ao fim do dia partimos de volta para Marraquexe.

1 Comments:

Blogger Unknown said...

hehehe...grandes dozes de adrenalina! acho que devias escrever um livro "As minhas viagens" ;)

06 outubro, 2006 16:50  

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